Estefânia Surreira
Criei o meu projeto de mediação de leitura em 2014 e dei-lhe o nome "As tartarugas também voam", por ser o título de um dos filmes da minha vida e por acreditar que elas voam de verdade (quando nenhum ser humano está por perto, é claro).

Fui aprendendo a ler histórias em voz alta e a narrá-las, descobrindo que elas se tornam reais, no momento mágico da partilha com o outro. Com aquele que escuta. Com aquele que se deixa emaranhar nos longos fios de palavras que vamos soltando dos livros, da nossa imaginação, da nossa voz, do nosso corpo. E também aprendi, neste trabalho de “liseuse” e narradora, a escutar os outros que, tal como eu, entregam a sua alma à palavra lida, à palavra dita.

Neste caminho que é, acima de tudo, de escuta, descobri o poder maravilhoso das estórias e aprendi, com quem faz da narração o seu ofício, o seu modo de vida, que é possível resgatar contos, memórias e afetos e partilhá-los com quem sabe que as tartarugas, lá do outro lado da vida, também voam.
Contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas (…) Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo."
Eça de Queirós
Os contos populares fizeram o encanto das crianças do meu tempo de menino e moço (…) Contar e ouvir histórias era o passatempo favorito das horas livres. Principalmente em três locais caídos em desuso: no monte, no forno, ao serão. Na minha infância, andavam no monte pelo menos duas pessoas de cada casa: uma com a rês, outra com as vacas. Nos extensos baldios, o gado não dava grande trabalho. Era preciso matar o tempo. Formavam-se grupos. E havia sempre alguém de mais idade ou mais jeito para contar histórias. (…) ‘ Anda comigo com a rês que te conto uma história…’, dizia a avozinha à neta. E a menina lá ia, toda vaidosa, fiada no conto.”
Bento da Cruz, Histórias da Vermelhinha, Âncora Editora